Bitcoin perde quase US$ 10 mil em um dia – o que houve?
O Bitcoin saiu de perto de US$ 92 mil na máxima do dia para a casa de US$ 84/86 mil, uma queda intradiária de ~7–8%, com mínima em torno de US$ 84 mil. O que dá pra dizer olhando a movimentação de mercado do primeiro dia de dezembro de 2026 é: ninguém achou um “culpado único” pela queda do Bitcoin, mas vários fatores se alinharam e apertaram o gatilho ao mesmo tempo – uma tempestade perfeita no mar revolto dos blockchains.
Vamos aos fatos:
1. Ambiente macro em “modo aversão a risco”
Vários veículos destacam que a queda de hoje não é isolada do resto do mercado: bolsa, tech e outros ativos de risco também estão sob pressão. Analistas falam explicitamente em renovada aversão ao risco, com o Bitcoin andando muito colado ao mercado de ações, e sendo visto como um “indicador de apetite a risco” neste momento.
Dois pontos aparecem com frequência:
1 – Juros globais e “yen carry trade”: a alta dos juros dos títulos japoneses encarece o famoso carry trade em iene (tomar dinheiro barato em iene para comprar ativos de risco, inclusive ). Com isso, investidores desmontam posições em ações e cripto para cobrir exposição.
2 – Incerteza com Fed e dados de inflação: há expectativa de corte de juros em dezembro, mas com calendário de dados bagunçado (CPI atrasado) e comunicação do Fed ainda incerta. Ou seja, aparentemente, investidores entram em dezembro com um “vôo às cegas” de política monetária, em um mercado de liquidez sazonalmente mais fraca.
Resumo: o pano de fundo é um mundo mais nervoso, com liquidez global apertando e investidores reduzindo risco – e Bitcoin hoje está na prateleira dos ativos de risco, não na de “porto seguro”, como já foi outrora – lembra do tarifaço?
2. Alavancagem e o efeito dominó das liquidações
Quase todos os analistas de mercado batem no mesmo ponto: a pancada foi amplificada pela quantidade de posições alavancadas.
Temos algo em torno dos US$ 608 milhões em liquidações nas últimas 24h, sendo mais de US$ 535 milhões em posições long (compradas), com BTC e liderando.
Outros agregadores citados apontam até US$ 2 bilhões em liquidações num intervalo de 24 horas, na soma de várias corretoras.
Há relatos de que algoritmos de alta frequência e ordens automáticas aceleraram o movimento assim que certos níveis de preço e de margem foram rompidos.
Na prática: quando o preço começa a cair num mercado frágil de liquidez (começo de mês, fim de ano, muita gente com posição grande e alavancada), os stops começam a ser acionados em cadeia. Isso cria:
1 – Venda forçada de contratos futuros e perpétuos;
2 – Mais queda no spot;
3 – Mais liquidação de quem estava operando com pouco colateral.
Esse é o famoso “leverage reset”: um “faxinão” nas posições alavancadas que limpa o excesso de risco do sistema, mas machuca o preço no curto prazo.
3. Saída de dinheiro dos ETFs de Bitcoin e mercado mais raso
Outro ponto forte: ETFs de Bitcoin viraram o “cérebro” da formação de preço – e passaram novembro despejando BTC de forma pesada.
Houve recorde de saídas dos ETFs de Bitcoin dos EUA em novembro, num dos piores meses desde que esses produtos existem. Só em novembro, os ETFs spot americanos tiveram algo em torno de US$ 3,4/4,3 bilhões de resgates líquidos, com fundos como e liderando as saídas
Houve um respiro de cerca de US$ 70 milhões em entradas nos últimos dias do mês, mas os analistas classificam o mercado de dezembro como estando em “equilíbrio frágil”, com liquidez fina e muito dependente dos fluxos dos próprios ETFs.
Quando ETF sofre resgate, o gestor precisa devolver BTC para o mercado. Em novembro isso significou:
1 – Oferta extra de Bitcoin voltando para o book;
2 – Market makers tendo que absorver, além da emissão diária pós-halving, milhares de BTC vindos de cestas de ETF desmontadas;
Tudo isso num mercado de fim de ano, historicamente mais raso.
Em outras palavras: se o investidor institucional aperta o botão de vender ETF, o impacto hoje é brutal na curva de preço do BTC.
4. Choques internos: Yearn Finance, Tether e sinalizações de reguladores
Além do macro e da alavancagem, o dia veio temperado com um combo de notícias “domésticas” do mundo cripto:
Exploit na Yearn Finance (DeFi)
Incidente no pool yETH da Yearn Finance permitiu que um atacante cunhasse uma quantidade gigantesca de tokens yETH, gerando dúvidas sobre a solvência do pool e disparando uma corrida por saída.
Mesmo sendo um evento de DeFi, isso contaminou o sentimento do mercado todo: se um protocolo grande e relativamente “blue chip” é afetado, o investidor médio passa a ficar mais desconfiado com risco técnico em geral.
Rebaixamento da Tether pela S&P Global
A S&P rebaixou a nota de risco da , apontando aumento de ativos mais arriscados nas reservas e gaps de transparência. USDT é a principal stablecoin do mercado. Qualquer dúvida sobre ela aumenta o “risk premium” de todo o ecossistema.
China repetindo o discurso anti-cripto
O PBoC (banco central da China) reiterou que cripto não é moeda legal e prometeu apertar o cerco a stablecoins e atividades relacionadas.
Esse conjunto não explica sozinho uma queda de milhares de dólares, mas funciona como gasolina em um mercado já inflamável: reforça a percepção de que o ambiente regulatório e tecnológico continua frágil, então qualquer tremor macro vira desculpa para reduzir risco.
5. Sentimento, técnica e a “história” que o mercado está contando
Por fim, tem o componente psicológico e técnico:
O Bitcoin já vinha derretido: novembro fechou com queda de cerca de 16/17%, a pior performance mensal desde o pós-FTX em 2022, segundo análises em Investing.com e outros portais.
Em 2025, a moeda chegou a testar máximas acima de US$ 120–126 mil, e desde então corrigiu mais de 30%, levando parte do mercado a começar a falar em “bear market dentro do bull market”.
O sentimento atual está mais próximo a um “medo extremo”, com suporte de US$ 90k rompido e a região de US$ 80k ganhando destaque como zona psicológica crítica.
Há a discussão como vários indicadores clássicos de topo/fundo falharam nessa pernada de alta, deixando parte dos traders “sem mapa” e mais propensos a reagir demais a qualquer notícia negativa.
Com essa mistura, o mercado constrói uma narrativa de:
“Subimos rápido demais, ETFs pararam de comprar, macro está esquisito, DeFi e stablecoins continuam dando susto – talvez o rali tenha ido longe demais.”
Quando a narrativa dominante vira cautela, qualquer queda tende a se autoalimentar: traders veem o preço caindo, lembram de novembro, veem ETFs saindo, lembram do carry trade em iene, e reforçam a venda.
Como esses fatores se conectam como 01/01/25?
Dá pra enxergar esta data como a convergência de cinco ondas:
1 – Macro e carry trade puxam o primeiro movimento de realização em ativos de risco (BTC incluído).
2 – ETFs e institucionais usam o cenário para continuar reduzindo exposição depois de um novembro de fortes saídas.
3 – Com a liquidez mais rala, esse fluxo encontra um mercado cheio de posições alavancadas: começam as liquidações em cascata, que ampliam a intensidade da queda.
4 – Notícias negativas internas (Yearn, Tether, China) que não são o “motivo”, mas funcionam como estresse adicional para quem já estava nervoso.
5 – Tudo isso cai em um terreno de sentimento fragilizado, depois de um mês muito ruim, com medo alto e pouca convicção compradora.
Não é “um evento” derrubando o Bitcoin; é um acúmulo de pesos num mercado que já estava desequilibrado.
Na minha leitura, o movimento do começo deste mês é mais um reajuste violento de alavancagem e liquidez do que o fim estrutural do ciclo do Bitcoin. A estrutura de longo prazo (halving recente, presença de ETFs, interesse institucional) continua de pé. Mas o episódio mostra, de novo, que quando o macro aperta e a liquidez some, Bitcoin ainda se comporta como um ativo de risco altamente sensível a fluxo e derivativos.
Se essa correção vira algo mais profundo vai depender agora de:
1 – Como o Fed se posiciona em dezembro;
2 – Se os ETFs voltam a registrar entradas relevantes;
E se o mercado consegue se desalavancar sem novos choques internos (stablecoins, DeFi, etc).
Qual a sua opinião?


